sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Censura era no tempo da "outra senhora"...



Primeiro estranha-se. Depois entranha-se*

Publicado por helenafmatos em 15 Janeiro, 2010

Marcelo Rebelo de Sousa terminou domingo o seu programa de comentário semanal na estação pública de televisão com uma frase lacónica: “Estou sempre disponível para a RTP”. (…) O programa deverá terminar em finais de Fevereiro, a reboque do final do congénere Notas Soltas, de António Vitorino. O socialista sai a seu pedido.” PÚBLICO, 12 de Janeiro de 2010

O primeiro-ministro deu ontem entrevistas aos jornalistas no âmbito da iniciativa ‘Governo Presente’ mas impôs como condição não ser confrontado com o caso Freeport.” Correio da Manhã, 10 de Janeiro de 2010

Jorge Wemans, director da RTP2, impõe a sua presença num programa do Clube de Jornalistas transmitido por aquele canal público a 4 de Novembro de 2009. A RTP daria por terminado o programa Clube de Jornalistas no mês de Dezembro de 2009.

A Administração da TVI deu ordens para cancelar o Jornal Nacional de Sexta, que marcava amanhã o regresso de Manuela Moura Guedes aos écrans da televisão da Mediacapital.” I, 3 de Setembro de 2009.

Teresa Dias Mendes, actual editora de Política, cede o lugar a Paulo Tavares, jornalista responsável pela edição dos noticiários da noite da estação e também pelo programa Motores, sobre automóveis, (…) Teresa Dias Mendes, que deixará de fazer política na TSF, foi protagonista de um episódio durante a última campanha para as eleições europeias, em que o conteúdo de uma peça assinada pela jornalista não agradou ao primeiro-ministro.” PÚBLICO, 12 de Janeiro de 2009

(…)

Se a 12 de Março de 2005 quando tomou posse o primeiro governo liderado por Sócrates alguém tivesse sugerido que um destes factos poderia ocorrer certamente que niguém o tomaria a sério. Em primeiro lugar porque era absolutamente improvável que o líder do PS (ou de qualquer outro partido) viesse a protagonizar todos os casos em que posteriormente soubemos que o nome de José Sócrates era referido. Em segundo e muito mais definitivo lugar porque a formulação da simples hipótese de que este tipo de coisas viesse a suceder geraria inflamadas indignações: era óbvio que os portugueses (e entre eles com particular destaque os intelectuais, os pensadores, os jornalistas, os empresários etc.. etc…) jamais permitiriam que tal acontecesse. Afinal não se erguera um coro de indignações ainda em Novembro de 2004 quando o então primeiro-ministro Santana Lopes pretendera criar um Gabinete de Informação e Comunicação? O então presidente da República, Jorge Sampaio, foi aliás bem claro no texto em que explicava o veto a esse gabinete frisando: “não há défice, antes excesso de presença estatal e governamental nos meios de comunicação“. Opinião que o então líder do PS, José Sócrates, corroborou tendo afirmado que “o Governo estava a passar das marcas na tentativa de pressão e controlo da comunicação social”. Não sei onde estavam em 2004 as marcas de José Sócrates no que respeita à comunicação social mas parece-me óbvio que desde Março de 2005 as suas marcas passaram para outro lugar. Mas muito mais óbvio e perigoso que o relativismo da localização das marcas de José Sócrates é a disponibilidade da sociedade portuguesa para trocar liberdade e responsabilidade pela segurança do cargozinho, do elogio, da palmadinha nas costas ou do não cair mal, do não ir contra a corrente, do fazer de conta que não é connosco, do “se não me meter com eles faço a minha vidinha descansado”. A lista de factos que consta no início destes texto é ilustrativa dessa forma de estar e viver: em Portugal o poder pode muito e, por razões várias, gostamos de fazer de conta que pode ainda mais. Aos primeiros telefonemas duns assessores governamentais mais ou menos exaltados ou piadéticos para comentadores e jornalistas, estranhou-se. Depois entranhou-se. Paulatinamente deixaram de discutir-se as notícias e os textos de opinião para num bem conhecido fenómeno de fulanização passarmos a discutir a personalidade de quem os assina: diz-se ou escreve-se de determinado modo porque não se gosta de José Sócrates ou porque se é contra o PS. O velho chavão do anti-comunista primário com que o PCP calava aqueles que se lhe opunham deu agora lugar ao pecado de se estar contra José Sócrates. Como se criticar as medidas do governo ou ter dúvidas sobre a actuação do actual primeiro-ministro nos processos de licenciamento do Freeport e Cova da Beira fossem embirrações nascidas por uma qualquer questão pessoal. Simultaneamente foi-se tornando habitual que as empresas públicas e privadas procurem agradar ao primeiro-ministro, suspendendo programas e colaboradores – casos como os de Marcelo Rebelo de Sousa, Teresa Dias Mendes e Manuela Moura Guedes são disso sintomáticos – ou simplesmente omitindo as condições impostas por São Bento. Por exemplo quantos orgãos de comunicação além do Correio da Manhã informaram que José Sócrates pusera como condição não ser confrontado com perguntas sobre o Freeport? Note-se que no dia em que esta imposição foi feita se ficara a saber que Hugo Monteiro, declarara ao DCIAP que fora autorizado pelo seu primo José Sócrates a usar o seu nome no âmbito dos contactos empresariais que fazia junto dos promotores do Freeport. O primeiro-ministro tem naturalmente o direito de limitar os assuntos a abordar nas suas entrevistas. O que já não é tão natural é que os jornalistas aceitem que só têm a entrevista para divulgar a iniciativa ‘Governo Presente’ e sobretudo que não informem sobre as condições em que foi feito esse trabalho. O que é que nos aconteceu entre 2005 e 2010? Como é que passámos da estranheza para o entranhamento? Não foi certamente bebendo o refrigerante que motivou este slogan. Foi simplesmente fazendo de conta que não estava a acontecer nada. Que era tudo normal. Não era. Nem é.

*PÚBLICO (Extraído daqui).





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