A normalidade democrática
O Expresso de hoje conta em detalhe o que ontem já tinha noticiado: o primo de José S., actual primeiro ministro de Portugal, um tal Hugo Monteiro, terá confessado em interrogatório ( é arguido) no DCIAP, ocorrido também no dia de ontem, sexta-feira, que o primo José S. enquanto ministro do Ambiente (de um governo de Guterres), o tinha expressamente autorizado a usar o seu nome para influenciar um favor, junto de um empreendedor imobiliário estrangeiro, no caso o Freeport.
O facto agora confessado, tendo em conta que o facilitador do favor e do nome era ministro de um governo português, configura sem margem para dúvidas, a prática de um crime de tráfico de influência que o Código Penal, assim definia à data dos factos, na versão anterior a 2002 ( a lei penal não tem efeito retroactivo):
Artigo 335.º
Tráfico de influência
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, é punido:
a) Com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão ilícita favorável;
b) Com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita favorável.
2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no número anterior para os fins previstos na alínea a) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
É este o panorama legal penal, da actuação indiciada e que ainda contém outras subtilezas: o tal primo de José S. é um mentiroso confesso. O primo, esse, nem vale a pena repisar o epíteto, porque se afigura ser uma característica recorrente de carácter. Objectivamente, mentiu já por diversas vezes, em público e em funções, o que autoriza a afirmação, sem receio algum. Como se pode ler por aqui e por aqui.
Portanto, temos dois mentirosos relapsos, que mencionam um facto: o licenciamento do Freeport foi tudo menos claro, porque envolveu estes habilidosos da influência freelancer.
Em termos estritamente penais, o caso é um nado-morto. O eventual crime está prescrito. Sendo a pena aplicável de prisão até seis meses, há muito que prescreveu o procedimento criminal e será isso que sairá do inquérito, cujo segredo de justiça foi mais uma vez violado, agora pelo Expresso. Aliás, terá sido isto que Lopes da Mota tentou explicar convenientemente aos investigadores do Freeport...só que estes entenderam - e bem- uma outra coisa, bem mais grave. Eventualmente, corrupção, veja-se lá o desaforo!
E politicamente?
Ora, nesse aspecto, quem perdeu a vergonha há muito, tem o mundo como seu. E ninguém existe neste momento, em lugar institucional que lhe lembre que a dignidade mínima de um cargo político, não deveria aceitar um mentiroso relapso e um político que nivela por baixo tudo em que toca. Portanto, o mundo do actual primeiro-ministro é um reduto político de apaniguados e condescendentes politicamente. Um mundo de "razões de Estado"e conveniências várias que afastam veleidades de alteração do satus quo. E que mundo!
Logo que saiu, o ministro Mário Lino de uma memória pegajosa a saltapocinhices, disse em entrevista que este primeiro-ministro é "muito bom", o que provoca inveja nos adversários.
Hoje, em entrevista ao i, a ministra da Educação, conhecia autora de literatura infantil, referiu que não conhecia bem o PM, José S., mas que o considera agora "um grande primeiro-ministro".
Ainda teve tempo de dizer que "Maria de Lurdes Rodrigues tem grande abertura de espírito, sabe ouvir"!!!
Talvez por essa qualidade excelsa de "saber ouvir" e cujo resultado político no ministério da Educação, foi agora totalmente desmontado pela entrevistada enquanto sucessora, aquele mesmo primeiro-ministro acaba de nomear a antiga ministra como presidente da FLAD- a fundação luso-americana para o desenvolvimento.
Bem precisará, para pagar o empréstimo bancário, com hipoteca à CGD, de quase um milhão de euros que fez ainda enquanto ministra...
Portanto, a normalidade democrática, actual, ( e de sempre, pelos vistos), é esta:
A corrupção é um fenómeno intangível que só tem significado para discussão teórica. Os indícios de corrupção no Estado centralizado e nos elementos que o compõem, só terão valor se comprovados por sentenças transitadas em julgado. Julgamentos esses que só ocorrem por um acaso de sorte investigativa, ou por acumular de erros dos visados ou por inépcias dos advogados de defesa, porque as leis os protegem efectivamente e blindam eficazmente o uso de instrumentos de prova, em nome de sacrossantos princípios como o da presunção de inocência.
E mesmo nesses casos, rarísssimos, se forem conduzidos a julgamento, haverá sempre nas instâncias superiores os corrados carnevales da praxe que se encarregarão de limpar a lama e até indemnizarão os pobres inocentes arrrastados na ignomínia.
A Mafia na Itália dos anos setenta e oitenta do século passado, teve o mesmo ambiente.
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