terça-feira, 15 de julho de 2008

O (des)Governo da Nação



No debate do Estado da Nação ocorrido no Parlamento na semana passada, o Governo apresentou um conjunto de propostas, de âmbito fiscal e social, com o intuito de responder à situação que o país está a viver, caracterizada pelo Executivo como sendo de emergência social e resultante da alta do preço do petróleo, dos preços dos bens alimentares e da subida das taxas de juro.

Tenho para mim, porém, que as propostas apresentadas constituem um imenso conjunto de equívocos, de falta de adequação à realidade e de demagogia, que revelam bem o estado de desnorte a que chegou o Governo. Vejamos porquê.

Primeiro. A situação que estamos a viver não é de emergência, porque não é conjuntural: como vezes sem conta já referi, trata-se de uma situação estrutural, que só é passível de resolução com um aumento da competitividade e da atractividade da nossa economia que permita a criação de mais riqueza, de forma sustentada. Só assim será possível reduzir o desemprego e acudir às necessidades sociais mais prementes. Certo: a alta do preço do petróleo e dos bens alimentares, tal como a subida das taxas de juro, vieram tornar o quadro pior – mas os factores de insucesso já cá estavam… E como creio que os dias com petróleo e alimentos baratos não voltarão mais e as taxas de juro demorarão a descer, apelidar a situação que vivemos como "de emergência" é, no mínimo, desadequado. Um equívoco.

Segundo. Mas se a situação fosse realmente de emergência, seria natural que quaisquer medidas apresentadas tivessem impacto imediato sobre a população (isto é, que ajudassem já). Simplesmente, quer o aumento das deduções das despesas com empréstimos à habitação em sede de IRS, quer a redução das taxas máximas do IMI e o alargamento do prazo de isenção do pagamento deste imposto terão efeitos em… 2009 (que, curiosamente – ou talvez não… –, é ano de eleições)!... Quanto às medidas de apoio social, as ajudas aos alunos para material escolar, manuais e refeições, e ainda para os passes escolares, terão efeitos em… Setembro, quando se iniciar o próximo ano lectivo (isto para não falar que já hoje existem condições especiais nos passes escolares para crianças e estudantes, que tornarão a abrangência e o impacto destas medidas menor do que o proclamado pelo Primeiro-Ministro). Fica, pois, a questão: emergência social?!... Outro equívoco – agora, acompanhado de demagogia.

Terceiro. No que toca às medidas fiscais já referidas, julgo importante enfatizar o seguinte:
O IMI, que o Primeiro-Ministro classificou como "um paradigma de punção social sobre as classes médias", representa, em 2008, apenas cerca de 5% do que os portugueses pagarão a mais em impostos em relação ao que pagavam quando este Governo tomou posse… além de que é receita das Câmaras Municipais (não do Estado Central), pelo que, apesar de representar uma perda de receita no perímetro das Administrações Públicas, são as autarquias que arcarão com ela… Trata-se, portanto, de ajudar… com o dinheiro dos outros! Bom exemplo que o Governo dá à sociedade, não é, caro leitor?...

No IRS, a introdução da progressividade nas deduções com despesas de habitação veio complicar ainda mais o sistema fiscal… ou seja, trata-se de uma medida ao arrepio das tendências internacionais em matéria de impostos, que vão no sentido da simplificação dos sistemas fiscais e da diminuição das taxas de tributação. Se se queria ajudar, por que não fazê-lo através do auxílio directo do lado da despesa, mediante a declaração de rendimentos dos contribuintes?!... Isto para já nem mencionar o facto de, nos dois escalões de IRS mais baixos (e esta medida incide sobre os primeiros 4 escalões), a maioria dos contribuintes não pagar IRS… tal como nem todas as famílias referidas pelo Ministro das Finanças serão abrangidas, pois nem todas suportam empréstimos à habitação. Portanto, uma decisão do meu ponto de vista errada e com alcance social muito reduzido.

Cá estão, caro leitor, novos equívocos e demagogia… em larga escala.

Quarto. Tudo somado, e de acordo com as contas do Governo, as medidas de apoio social custarão cerca de 30 milhões de euros (já este ano) e as medidas fiscais implicarão uma perda – apenas em 2009 – de cerca de 45 milhões de euros (nas deduções no IRS) e de cerca de 50 milhões no IMI (a suportar pelas autarquias). Tudo somado, menos de 0.02% do PIB este ano e pouco mais de 0.05% em 2009 – isto é, no conjunto, nem a uma décima do PIB chegamos!... Demagogia sem limites.

Quinto. O imposto "Robin dos Bosques", a aplicar às mais-valias potenciais resultantes da valorização das reservas de crude das petrolíferas é, apenas e só, a antecipação do pagamento do imposto por parte destas empresas que operam em Portugal – e que, sendo pago num determinado ano, implicará a redução do IRC pago no ano seguinte. Como, quer o Governo, quer a Galp reconheceram, trata-se de uma medida neutra do ponto de vista fiscal para as petrolíferas… e, portanto, também para os cofres públicos, que recebem mais num ano e menos no ano seguinte – o que, nesse ano, é compensado pela nova antecipação do imposto, e assim sucessivamente até que algum dia este imposto extraordinário acabe (o que deteriorará as contas do exercício orçamental em questão) ou as reservas petrolíferas não sejam valorizadas (o que, claro, implicará a não cobrança do imposto antecipado). E, no entanto, lá foi esta medida apresentada como a implementação de um imposto extraordinário que servirá para redistribuir riqueza!... Aqui, a demagogia já dá lugar ao descaramento de tentar fazer passar uma coisa por aquilo que ela não é!...

Sexto. Com a maioria das "ajudas" às famílias a ter lugar apenas em 2009, o Governo estima antecipar já para este ano, com uma taxa "Robin dos Bosques" de 25%, uma receita de pouco mais de 100 milhões de euros. Ou seja: as ajudas a conceder são diferidas na sua maior parte para 2009; o recebimento é antecipado!... É ou não preciso ter descaramento para proceder desta forma e ainda querer fazer parecer que se trata de uma actuação para fazer face à situação de emergência social?!... E depois admiram-se de, qualquer dia, ninguém os levar a sério…

Miguel Frasquilho
Jornal de Negócios

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